Miróbriga, a Rádio Entre a Planície e o Mar

A emitir a partir do Alentejo em 102.7 FM e em miróbriga.pt, a Rádio Miróbriga em 2011 assinalou o seu vigésimo quinto aniversário. Este é o nosso novo lugar na blogoesfera

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Reflexões a partir do Alentejo

Na Miróbriga às Terças
Esta foi a Crónica de D. António Vitalino emitida nos 102.7 do Alentejo no dia 15 de Novembro de 2011.
As Crónicas de D. António são emitidas na Rádio Miróbriga, às Terças-feiras depois da uma da tarde com reposição depois das nove da noite. 

Vidas com sentido

Devido a problemas de voz e múltiplos afazeres, nas últimas semanas não tenho tornado públicas as minhas reflexões e preocupações. Um turbilhão de pensamentos aflora ao meu espírito e sinto dificuldade em decidir quais devo comunicar nesta breve nota da semana.
Dado que todos falam de crise, no mês de Novembro muitos lembram os seus mortos e a liturgia da Igreja nos pede para estarmos atentos e vigilantes à espera do Senhor, tudo realidades que tocam as nossas vidas em profundidade, resolvi tecer algumas ideias sobre o sentido das nossas vidas e apontar algumas vidas com sentido.
Uma das mensagens emitidas pelos bispos portugueses reunidos em assembleia plenária em Fátima, de 7 a 10 de Novembro, tem o título sugestivo de esperança em tempo de crise. Depois de uma breve análise da situação, os bispos afirmam a sua disposição de se tornarem mais próximos, sobretudo dos mais frágeis e que a generosidade e a coragem com que se superam as dificuldades são fermento de uma sociedade nova, justa e saudável, animada por valores que nunca deveríamos ter esquecido. No meio deste arrazoado aparece uma frase, que, retirada do seu contexto, pode ser uma verdadeira bomba, recordando os tempos do capitalismo e do marxismo. Diz-se que o capital provém do trabalho e este, realizando a pessoa humana, mantém prioridade absoluta. Com isto reconhece-se a primazia da pessoa humana sobre outros valores e afirma-se que o trabalho é importante para a realização da pessoa humana.
A mensagem termina recordando os quatro princípios basilares da doutrina social da Igreja, um forte contributo para a orientação das nossas sociedades, a saber, a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade, que suscita e apoia a contribuição específica de cada corpo social e a solidariedade, expressão da fraternidade, que nunca procura o bem particular sem ter em conta o bem de todos.
 Mas, quando afirmamos a prioridade do trabalho sobre o capital, não devemos pensar apenas no trabalho remunerado, apelidando de ociosos e parasitas todos os que não produzem para o mercado. Há muitas vidas férteis e com sentido fora do circuito económico. Os pensadores, os contemplativos, a vida de convivência familiar, o cultivo da amizade, o voluntariado religioso e social e muitos outros, contribuem para a beleza e realização da humanidade. Mas não deixa de ser verdade que a pessoa humana se realiza pela ação, sendo o trabalho remunerado uma dessas expressões e muito necessário para a subsistência e projeção da pessoa em ordem à sua realização integral. Por isso uma sociedade organizada não pode pôr o dinheiro e a economia acima do direito ao trabalho em ordem à realização da dignidade das pessoas que a compõem.
Neste tempo de mutação cultural e social e de racionalização das empresas e do mercado não podemos esquecer estes princípios básicos da dignidade humana e da coesão social. Um aumento explosivo do desemprego e a falta de meios para proteger os mais frágeis, não apenas atenta contra a dignidade do ser humano, mas também põem em perigo a própria sociedade.
Precisamos de estar vigilantes, atentos e ser sóbrios, como dizia S. Paulo aos Tessalonicenses, para sermos fermento dessa nova maneira de ser e de viver, mais centrada nos valores essenciais da vida neste planeta, que queremos para nós e para as gerações vindouras, a quem devemos transmitir também o testemunho de vidas com sentido na dimensão pessoal, familiar, social, cultural, política e económica. Vidas com esperança, amor e alegria, valores que nem sempre o dinheiro, o poder e o consumo fomentam.
É tempo de olhar para os nossos santos, os vivos e os falecidos e descobrir vidas felizes marcadas por outros modos de viver. A mensagem enviada pelos bispos aos jovens aponta nesse sentido. Mas como é breve, recomendo a sua leitura.

Até para a semana, se Deus quiser.
† António Vitalino, Bispo de Beja

Sem comentários:

Enviar um comentário