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terça-feira, 3 de abril de 2012

A crónica de D. António Vitalino

Semana de 02 de Abril de 2012
Para quem não teve oportunidade de escutar nas emissões da Miróbriga a crónica de opinião de D. António Vitalino, aqui deixamos o texto integral. A Crónica de D. António Vitalino é emitida na Miróbriga às terças-feiras com reposição aos Sábados depois do meio dia.

D. Manuel Falcão e a Páscoa

Depois de termos apresentado D. Manuel Falcão na primeira fase da sua vida, como membro de uma família exemplar, estudante e cristão, agora vou descrever um pouco da sua fisionomia como bispo, homem da Igreja e homem de Deus.

Homem pontual, de oração, da escuta e do silêncio
O amor ao estudo, ao apostolado da Igreja e aos pobres acompanharam sempre D. Manuel Falcão, até à morte. Já como bispo emérito, com mais disponibilidade, escreveu a Enciclopédia Católica Popular e um livro sobre o leigo, sua identidade e missão, continuando a escrever semanalmente para o jornal Notícias de Beja, a par de imensas cartas, assim como opúsculos diversos para entregar aos numerosos membros da família e aos amigos. O último foi acabado de escrever a 1 de Janeiro de 2012, com o título profético: Uma existência envolta em mistérios (À laia de testamento espiritual). Ajudava muitas pessoas e instituições, sobretudo os pobres, de perto e de longe. Muitas vezes escrevia e afirmava que a Igreja tem de ser mais missionária, interna e externamente, e mais participada pelos leigos. Por isso lia e recomendava a leitura de revistas missionárias, ajudava muitos missionários e obras em terras de missão.
Há facetas na vida de D. Manuel que lhe são muito próprias e até únicas. Uma delas é ser uma pessoa da escuta atenta e silenciosa, sem perder tempo em comentários inúteis. Até na maneira de escrever evitava os adjectivos, qualificando-os de subjetivos. Era uma pessoa da palavra substantiva e substancial: sujeito, predicado e complementos. Os seus colegas do tempo de seminário por vezes desafiavam-no a dizer uma palavra e ele, no seu humor fino e seco, repetia simplesmente: uma palavra.  Mas deixava os outros exprimirem-se, escutando-os e desse modo ajudava mais do que se pode pensar.
Como bispo emérito, a ocupar o mesmo quarto e gabinete desde 1983, foi arrumando a sua escrita, passando para o arquivo diocesano aquilo que julgava oportuno, mas sempre lendo, estudando, escrevendo e rezando, num ritmo diário que poderíamos qualificar de monástico. Pontualíssimo em todos os actos, ultimamente seguindo um relógio electrónico, que ele acertava ao segundo exacto pelo noticiário da rádio renascença. Uns segundos antes da hora lá estava ele pronto para iniciar o ato do programa diário. Mesmo quando me acompanhava nas viagens, à hora marcada lá estava junto do carro, à espera que eu chegasse e entrasse.
Morreu como viveu: sereno, com tudo arrumado e orientado. Na carta que tinha junto ao testamento, uma para o bispo e outra para a família, escrita a 25 de Julho de 2009, com o título de Minhas últimas vontades em complemento do Testamento, dizia o que deixava à diocese do seu espólio pessoal e o que pertencia à família, mencionando onde se encontrava, deixando ao critério do bispo o destino a dar aos dossiers das pessoas que ele acompanhou espiritual e materialmente e pedindo para enviar a estas um último donativo da sua conta pessoal no banco, com a notícia da sua morte e o pedido de orações pelo seu descanso eterno. E transcrevia os endereços dessas pessoas.
À diocese de Beja deixou tudo, os seus avultados bens, ainda em sociedade com os seus irmãos, que, eles também desprendidos e amigos de fazer o bem, cumprem sem hesitação. Mas, mais que tudo, deu-se todo até ao último dia. Por isso, não fazemos mais que a nossa obrigação, manifestando publicamente a nossa gratidão a D. Manuel e ao Senhor, pela vida deste grande homem de Deus e do povo. Que viva para sempre junto de Deus e na nossa memória agradecida.

A Páscoa de D. Manuel e a nossa
A Paixão, morte e ressurreição de Cristo constituem o mistério da Páscoa de Jesus, cuja celebração nós preparamos com o tempo de Quaresma e depois prolongamos na alegria do tempo pascal até ao Pentecostes. Olhando para Jesus Cristo na sua entrega e dom da vida por nosso amor e nossa salvação, vamos conformando a nossa vida à d’Ele, fazendo também a nossa passagem do homem terreno para o homem celeste, através do mistério do sofrimento e da morte.
D. Manuel Falcão já fez a sua passagem definitiva. Não precisou de mais uma Quaresma de preparação, pois morreu na véspera de quarta-feira de cinzas. Mas a sua Páscoa começou na sua infância, no seu baptismo e teve um tempo duro de paixão a partir da sexta-feira santa de 2004, quando teve uma grave crise de saúde, com paragens renais e cardíacas, que o tornaram dependente da hemodiálise, a que esteve sujeito até à véspera da sua morte, que ele pressentia para breve e para a qual estava preparado, qual manso cordeiro. Nesta primeira Páscoa sem a sua presença física entre nós invocámo-lo e pedimos a sua intercessão junto de Deus, para que também nós nos preparemos para a nossa Páscoa. Como seu sucessor na diocese de Beja desejo a todos alegre e feliz Páscoa.
† António Vitalino, Bispo de Beja

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